quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O 'colonista' social


 A vasta parede espelhada da sala de estar da locomotiva de Copacabana era tudo que aquele menino pálido, nascido no subúrbio carioca, adoraria ter para si. Igualzinha ao vestido da Marilúcia, amiga do primário, filha da vizinha enfermeira, que, num dia poeirento de além Rebouças, ele viu no varal, pulou o muro e afanou, na maior cara de pau, dando conta do cleptomomento só quando, trancado no banheiro, viu sua imagem travestida de menina, 10 anos no máximo, refletida no espelho mofado do armário de sobre o lavatório cheio de lodo.

É assim desde que veio ao mundo, pelo ventre daquela mulher sofrida e incompreendida.  A inveja e a ganância o acompanham a partir do berço, quer dizer, parece que nem berço teve. Nunca fora capaz de exercer a conquista dos seus objetivos por seus próprios méritos. Atropelar o outro, cobiçar o do outro... era assim que galgava postos e iludia amizades, mas sempre com o Rivotril na mesa de cabeceira, ao lado da imagem oca do seu santo protetor. Nunca fora ca(paz) de dormir.

Pequeno ainda, leu na coluna da Nina Chavs, em "O Globo", sobre as doidivanices da herdeira de Copacabana, cheia de manias, cacoetes e soslaios, desconfiada a ponto de não ter amigo sincero algum na mão para contar nos dedos. Resolveu que iria espreitá-la perto do prédio: quem sabe, num relance de olhar, não pudesse chamar a atenção de alguém que o ajudasse a chegar sabe-se lá onde...

Quarta-feira de manhãzinha, fingindo-se a caminho do grupo escolar municipal, perto do horto à porta de casa, meteu-se em um 474, dinheiro contado da passagem no bolso da cevada calça jeans, e aportou no furdunço da Barata Ribeiro. Lera na Nina que seu alvo descia para nadar “todos os dias, bem cedo”, e havia de protagonizar o encontro que mudaria sua vida de menino pobre remelento.

Quatro quartas-feiras se passaram (e a mesma calça jeans), até que um dia, era sexta, esbarrou em uma morena esguia, camisa de linho branca sobre o biquíni vermelho, chapéu de palha à mão, abas largas, à esquina de Rodolfo Dantas, perto da farmácia de manipulação que, anos depois, passou a frequentar para comprar a pomada de renovação da flora retal. Era ela!

Como nunca teve dificuldade com as palavras, logo lançou mão de adjetivos para adular sua incompreendida e carente presa, desfiando ali toda a vida dela, todas as lembranças, como um fã desconhecido de muito tempo – pois uma de suas armas de guerra era estudar sobre seus alvos, e a memória sempre o ajudou.

Ávida por um mimo, necessitada de bajuladores em grau 10, logo a herdeira apresentava para todo mundo seu “melhor amigo”.


(continua...)